Se você está com dúvidas se é possível vender ou ceder sua parte na herança de um ente falecido, já te adianto que sim, é possível. Mas, certo é que há um procedimento que deve ser seguido da forma correta para que não haja problemas futuros.
Que procedimento é esse?
A transmissão de seus direitos de herança para outra pessoa se perfaz através da Cessão de Direitos Hereditários, procedimento previsto nos artigos 1.793 a 1.795 do Código Civil.
Nela, através de um contrato escrito, o herdeiro (cedente) irá transferir os direitos que receberá advindos da herança de seu ente falecido para um terceiro (cessionário), que pode ser um amigo, uma pessoa desconhecida ou também um herdeiro deste mesmo ente.
A Cessão de direitos pode ser realizada à título gratuito, ou seja, assemelhando-se a um contrato de doação, ou à título oneroso, assemelhando-se a um contrato de compra e venda.
Onde e como posso fazer essa Cessão de direitos?
A Cessão de Direitos Hereditários deve, obrigatoriamente, ser feita por documento, através de escritura pública, no Tabelionato de Notas de sua preferência.
Isso porque o direito de herança, para a lei, no artigo 80, II, do Código Civil, é considerado bem imóvel, e o artigo 108, do mesmo Código, exige que a transferência de bens imóveis com valor superior a 30 salários-mínimos deve ser feita por escritura pública, sob pena de nulidade.
Assim, caso a Cessão de direitos seja realizada por instrumento particular (o chamado “contrato de gaveta”) ou caso seja formalizada uma partilha de bens decorrente de uma Cessão feita por instrumento particular, ela não terá validade nenhuma, por não observar a forma exigida por lei para realização da Cessão, o que poderá ensejar o ajuizamento de uma ação judicial para anular a cessão e a partilha realizadas, gerando custos e preocupações que poderiam ter sido evitadas.
Caso o cedente for casado, seu cônjuge deverá consentir, na própria escritura pública, quanto à transferência dos direitos hereditários, sob pena de anulação da Cessão de Direitos Hereditários (artigo 1.649 do Código Civil) que também enseja o ajuizamento de uma ação judicial, gerando, novamente, custos e preocupações que podem ser evitadas.
A exceção, nesse caso, fica aos casados em Regime de Separação Absoluta de Bens, no qual não há a necessidade de haver essa concordância do outro cônjuge na hipótese da cessão de direitos.
Caso o cedente seja incapaz, nesse caso, será necessária autorização judicial prévia caso a pessoa queira vender sua parte na herança (cessão de direitos onerosa ou mesmo, caso queira ceder de forma gratuita, conforme já explicado anteriormente).
Se a transferência dos bens com valor superior a 30 salários-mínimos deve ser feita por escritura pública, a transferência dos bens de valor inferior pode ser feita por instrumento particular?
De início, respondemos que sim, é possível realizar a cessão de direitos por instrumento particular.
Todavia, por mais que seja possível realizar a cessão por instrumento particular, recomenda-se fazer a Cessão de Direitos Hereditários sempre por escritura pública, para fins de conferir uma maior transparência e segurança jurídica ao negócio.
Quando posso realizar a Cessão?
Basicamente, a Cessão de Direitos Hereditários pode ser realizada desde o momento da morte de seu ente querido até o momento da partilha dos bens, situação essa na qual os bens da herança serão individualizados e transferidos, de fato, para os herdeiros.
Lembrando que, como dito anteriormente, a cessão de direitos deve ser realizada por documento, através de escritura pública.
Posso realizar a Cessão de Direitos antes da morte do meu pai?
Não. Isso porque o Código Civil, em seu artigo 426, proíbe expressamente a celebração de contrato que tenha por objeto herança de pessoa viva. É o chamado “pacta corvina”.
Vejamos um exemplo para elucidar a situação.
Imaginemos que José, meu pai, seja viúvo, sem pais ou avós vivos e tenha 2 filhos: eu e minha irmã, Joana. Meu pai possui como patrimônio 1 fazenda e 2 apartamentos.
Nesse caso, eu não posso, por exemplo, celebrar uma Cessão de Direitos Hereditários com minha irmã Joana pactuando que, caso meu pai vivo venha a falecer, ela me pagará uma quantia ‘X’ para ficar com todos os bens.
Isso porque eu estarei fazendo um contrato com minha irmã dispondo sobre a herança de uma pessoa que está viva, o que é expressamente proibido pela lei.
Agora, se for por própria vontade do pai, enquanto vivo, em doar os bens ou planejar a organização de seu patrimônio para seus filhos, isso é perfeitamente possível e pode ser feita através de várias formas, inerentes ao Planejamento Sucessório, como, por exemplo, testamento, doação por usufruto ou holding familiar.
Sobre essas 3 formas de Planejamento Sucessório, delimitamos de maneira minuciosa em nosso blog sobre como funciona e qual forma é a mais vantajosa para cada tipo de patrimônio. Clique aqui para saber mais!
Qual parte da herança pode ser transferida na Cessão de Direitos?
A herança engloba todo o patrimônio do falecido. Todos os bens móveis (veículos, máquinas, equipamentos, quadros valiosos etc.), bens imóveis, semoventes (gados, bois etc.), investimentos (ações, valores mobiliários, criptomoedas etc.), processos judiciais, além de demais relações patrimoniais, bem como as dívidas e as despesas de funeral, compõem a herança.
Caso o ente falecido tenha deixado dívidas e despesas de funeral, estas serão abatidas sobre todo o acervo pertencente ao falecido. Em outras palavras, os bens do falecido pagarão as dívidas e despesas de funeral deixadas, e o remanescente será dividido entre os herdeiros.
Assim, caso seja realizada a Cessão de Direitos Hereditários, o cedente transferirá para o cessionário todos os direitos de herança, incluindo os bens e as dívidas deixadas pelo falecido.
Por isso, utilizarei o mesmo exemplo que dei acima.
Vamos supor que meu pai venha a falecer, deixando como seu patrimônio 1 fazenda e 2 apartamentos, no valor total de R$ 2 milhões, mas possuindo, à título de dívidas e as despesas de seu funeral, R$ 500 mil. Jacó, um grande amigo meu, sabendo da morte do meu pai, mas tendo interesse em adquirir os bens que pertenciam a ele, oferece a quantia de R$ 2 milhões a mim e minha irmã para cedermos nossos direitos de herança a ele. Jacó ficará ou não no prejuízo?
Ficará. Isso porque, ao receber os direitos de herança que pertenciam a mim e minha irmã, Jacó receberá não só os bens, como também será responsável por pagar as dívidas e despesas de funeral, onde responderá até os limites da herança.
Assim, abatidas as dívidas e despesas de funeral, Jacó herdará o remanescente, no total de R$ 1.5 milhão, ficando com um prejuízo de R$ 500 mil.
Por isso, é muito importante que, em caso de cessões onerosas, a pessoa que esteja adquirindo os direitos de herança tenha ciência sobre a existência ou não de dívidas deixadas pelo falecido. Em muitas das vezes, as pessoas adquirem os direitos hereditários imaginando apenas os bens que potencialmente receberá, mas se esquecendo de verificar se existem dívidas e/ou despesas de funeral.
Posso vender um bem individualizado na Cessão de Direitos?
Não. Segundo o artigo 1.791 do Código Civil, a herança compreende um todo indivisível e universal, que somente será individualizado no momento da partilha de bens.
Basicamente, com a morte do ente querido, os herdeiros passam a ser coproprietários de todo o patrimônio que foi deixado.
Assim, não posso, por exemplo, antes da partilha, ceder, singularmente, um veículo ou um apartamento, caso em que, se ocorrer, não terá quaisquer efeitos em relação aos demais herdeiros.
Nesse caso, recomenda-se ceder o quinhão que o herdeiro terá naquele determinado bem ao cessionário (metade do bem, se forem dois herdeiros; um terço, se forem três herdeiros), e assim sucessivamente.
Incidem impostos na Cessão de Direitos Hereditários?
Sim. Se a Cessão for realizada à título gratuito, ou seja, assemelhando-se a um contrato de doação, incidirá Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação (ITCD), com alíquotas de variam de estado para estado, podendo chegar a 8%.
Se a Cessão for realizada à título oneroso, assemelhando-se a um contrato de compra e venda, incidirá Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), com alíquotas de variam de Município para Município, podendo chegar a 5%.
Tenho que dar direito de preferência para meus irmãos?
Depende. Se a Cessão de Direitos Hereditários for onerosa e tiver como cessionário um terceiro que não seja herdeiro, será necessário, antes de ceder ao terceiro, notificar os demais herdeiros para que eles possam exercer seu direito de preferência sobre a parte pertencente ao cedente, pelo mesmo valor que o terceiro aceitou pagar, nos termos do artigo 1.794 do Código Civil.
Caso o herdeiro cedente não observe essa regra, o herdeiro prejudicado poderá ajuizar ação judicial no prazo de 180 dias contados da Cessão, depositando em juízo o valor que fora pago pelo terceiro e requerendo para si a parte pertencente ao cedente.
Utilizaremos outro exemplo.
Vamos supor que eu possuo 2 irmãos: Alex e Lucas. Meu pai João, viúvo, deixou de herança o equivalente a R$ 6 milhões. Natan, grande amigo meu, deseja comprar minha parte da herança por R$ 2 milhões.
Assim, se tratando de cessão onerosa e de cessionário uma pessoa que não é herdeiro, eu, obrigatoriamente, tenho que notificar meus irmãos a, em prazo razoável (recomenda-se conceder um prazo de 30 dias), exercerem o direito de preferência sobre a minha parte, pelo mesmo valor (R$ 2 milhões).
Após devidamente notificados e após o fim do prazo concedido, caso eles fiquem inertes, posso tranquilamente prosseguir com a Cessão dos Direitos Hereditários para meu amigo Natan. Caso meu irmão Lucas se manifeste, dentro do prazo, desejando comprar minha parte pelo mesmo valor, serei eu obrigado a vender minha parte da herança preferencialmente a ele.
Por fim, caso eu não os notifique, tanto Alex como Lucas poderão ingressar com ação judicial no prazo de 180 dias contados da Cessão de direitos que realizei com meu amigo Natan, depositando em juízo o valor de R$ 2 milhões e requerendo para si a parte pertencente ao cedente.
Tiago Freitas Brito, Advogado, Especialista em Direito Sucessório e Inventários, graduado em Direito pela PUC-GO com mérito acadêmico “magna cum laude”. Pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil pelo Proordem Goiânia. Membro da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/GO